Hoje, uma em cada três pessoas ao redor do mundo sofre de algum tipo de alergia. Por que estamos cada vez mais vulneráveis?
Alergia é a doença da
vida moderna. Hoje, uma em cada três pessoas ao redor do mundo sofre de algum
tipo de alergia. Nos próximos anos, segundo os médicos, metade da população
pode se tornar alérgica.
Por que estamos cada vez
mais vulneráveis? Para descobrir a resposta, a rede britânica BBC resolveu monitorar
o dia a dia de duas famílias.
Morgan, de 4 anos, tem
alergia a ovos, kiwi, abacate, banana, leite, castanhas, soja... “E ainda tem
borracha, poeira, cachorros, gatos, pólen, cavalos. Olha, é uma lista grande”,
diz a mãe dele.
Joe, de 8 anos, tem alergia
a cachorros, gatos e ácaros.
As crianças e os adultos
aceitaram participar de uma experiência e, para isso, tiveram que coletar os
micro-organismos da pele e da poeira nos objetos.
Os germes foram
analisados em laboratório. E o resultado ajuda a entender o que pode estar por
trás das crises alérgicas dos garotinhos.
“A gente fica pensando:
‘será que a gente está fazendo algo errado? Colocando nossos filhos em risco
sem saber?’”, diz o pai de Joe.
Enquanto os pais se
questionam, os cientistas também buscam respostas. “Algumas alergias que antes
eram raras agora são bem comuns. Então, alguma coisa deve ter mudado no
ambiente em que a gente vive, que influenciou a nossa genética e fez com que
essas doenças se desenvolvessem”, explica o professor da Universidade
Southampton Syed Hasan Arshad.
O que está diferente?
Para os pesquisadores, nosso estilo de vida moderno nos afastou dos micróbios
bons. A gente não se dá conta, mas são muitos micro-organismos diferentes
vivendo ao nosso redor. Eles estão por todos os lados, na terra e no ar.
A rotina nas grandes
cidades e a urbanização estão diretamente relacionadas com o aumento no número
de pessoas alérgicas, dizem os médicos.
“Há 2 milhões de anos,
as pessoas caçavam e coletavam, mexiam na terra e entravam em contato com
diferentes tipos de germes que hoje, simplesmente, a gente não encontra mais
porque moramos em blocos de concreto, feitos de vidro e aço e cheios de cola”,
destaca o professor da Universidade de Londres Graham Rook.
No Brasil, a natureza
está longe da rotina de quem vive nas grandes cidades. “Aqui em casa quase todo
mundo tem alergia”, conta Ivonete Santana Fernandes.
Mas um susto fez Ivonete
descobrir que o problema do Agamenon era mais perigoso. Quando o garoto tinha 2
anos, ele foi picado por uma formiga enquanto estava brincando no quintal de
casa.
“Ele estava todo
empolado, os lábios estavam virando, a orelha estava bem grossa, grossa mesmo.
Eu fiquei apavorada, sem saber o que estava acontecendo’, lembra Ivonete.
Agamenon foi parar no
hospital. Ele estava em choque anafilático, a reação mais grave a uma alergia.
“Na reação anafilática,
a morte pode ocorrer por dois motivos: o edema da glote, onde fecha a
respiração, a pessoa não consegue respirar, ou choque, onde a pressão cai a
zero. São problemas que você precisa agir muito rápido. Uma única ferroada de
um inseto pode levar à morte da pessoa em minutos”, destaca o professor da
faculdade de Medicina da USP, Fábio Castro.
A descoberta de que
Agamenon é alérgico a veneno de formiga, assim como 3% dos brasileiros, mudou a
rotina da família. “Não é mais aquele bichinho inofensivo, é um monstro na
nossa vida porque vejo formiga já me apavoro”, diz Ivonete.
Agora, o Agamenon só
pode sair de casa com botas de borracha. “Porque tem um formigueiro ali, e lá
na outra árvore também tem, em cima da árvore também tem. Só posso brincar em
lugar que tem pedra e cimento”, conta Agamenon, de 8 anos.
O clima brasileiro
favorece o contato com bichos que podem provocar esse tipo de reação alérgica,
como formigas, vespas e abelhas.
Para o professor Fábio
Castro, da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, a alergia é a
doença do século XXI. “Em mais algumas décadas, uma ou duas décadas, nós vamos
ter 50% da população brasileira e mundial com alguma alergia. Então, é muito importante
esse problema”, ele avalia.
Alergia é toda reação
exagerada das defesas do nosso corpo contra agentes que, a princípio, não
deveriam fazer mal. Como os ácaros, por exemplo, aracnídeos microscópicos que
estão presentes na poeira dentro de casa.
“A rinite alérgica
certamente é uma das alergias mais comuns. Por volta de 25% a 30% da população
brasileira têm rinite alérgica”, afirma Fábio.
A Terezinha Costa
começou a apresentar os sintomas depois dos 50 anos. Essa é uma característica
da rinite, a doença pode aparecer em qualquer fase da vida. “Tudo começou com
uma coceirinha no nariz. Muito espirro, o nariz fica escorrendo continuamente.
Muita coceira no olho, no nariz. É muito irritante isso”, conta a aposentada.
Ela tirou as cortinas,
os tapetes e as plantas. Mas não adiantou. Foi quando ela descobriu que tinha
outro inimigo dentro de casa. “O nome dele é Manolo. Só que ele tem vários
apelidinhos carinhosos, por exemplo Tchu Tchu, Canelão, Pretinho, Preto”, conta
Terezinha.
O cachorro está com a Terezinha
há cinco anos. Ela descobriu que desenvolveu alergia ao pelo do bichinho de
estimação. “Eu sei que ele me provoca isso. Mas o que que eu vou fazer, me
diga? Vou abrir o portão e por ele para fora? Ele já faz parte aqui da
família”, afirma.
Já que se separar do
Manolo não é uma opção, a Terezinha toma remédios para diminuir a coceira e os
espirros. O tratamento para alguns tipos de alergias avançou muito nos últimos
anos. Um dos métodos mais usados é a imunoterapia. Durante um tempo, o paciente
recebe vacinas que contêm o agente causador da alergia. O corpo vai se
acostumando aos poucos e, assim, as reações alérgicas mais fortes deixam de
acontecer.
“Certamente, esse
conhecimento de tudo isso vai melhorar muito o diagnóstico. Melhorando o
diagnóstico, o tratamento, consequentemente, vai melhorar”, destaca Fábio
Castro.
As famílias que
participam do documentário da BBC estão prontas para receber os resultados. Só
o Morgan não apareceu. Estava se sentindo mal, justamente, por causa das
alergias. A equipe da microbiologista Lindsay Hall examinou o DNA dos
micro-organismos encontrados na pele das famílias e nos objetos domésticos.
A primeira descoberta:
“O Joe e o Morgan têm bem menos variedade de bactérias no corpo do que vocês,
pessoal. E tem muitos estudos que mostram que as pessoas mais alérgicas têm
menos bactérias do que as pessoas saudáveis”, explica Lindsay Hall.
A exposição a
determinados micróbios ajuda o sistema imunológico a ficar mais forte e
esperto: ele vai entender o que é uma infecção grave, que exige uma resposta, e
o que não oferece risco, como um amendoim, por exemplo.
Essa rede de proteção no
nosso corpo começa a se formar já nos primeiros momentos de vida. Pesquisas
recentes mostram que as crianças que nascem de cesárea têm mais chance de
desenvolver alguma alergia ao longo da vida do que as crianças que nascem de
parto normal.
A vagina da mãe tem
grupos de bactérias chamadas de lactobacilos. Está comprovado que essas
bactérias protegem contra alergias. Então, se o bebê deixa de passar pelo canal
vaginal, ele perde o primeiro contato com esses micro-organismos do bem.
Os bebês que se
alimentam de leite materno nos primeiros meses também têm menos chance de serem
alérgicos. A doutora Lindsay suspeita que dificuldades no parto de Joe tenham
influenciado o histórico médico dele. “Ele ficou sem oxigênio porque o cordão
umbilical se enrolou no pescoço dele”, lembra a mãe.
Joe foi para a UTI, e
bebês que passam as primeiras horas da vida em unidades intensivas são expostos
a micróbios menos amigáveis que os da mãe. Para o Morgan, outro problema nos
primeiros meses de vida pode ter provocado a falta de bactérias. “O Morgan
tinha uns 10 meses quando teve amigdalite e precisou tomar antibióticos”, conta
a mãe.
“Os antibióticos são
remédios maravilhosos e a gente precisa deles para combater infecções. Mas, às
vezes, isso pode ter um impacto grave. Enquanto eles estão tentando livrar
nosso corpo de doenças, podem matar também os micro-organismos do bem”, destaca
Lindsay.
Não existe um único
motivo que determina se a pessoa vai ter alergia. Então, como podemos nos
prevenir? Para começar, tendo uma alimentação rica, desde cedo. Os iogurtes
contêm probióticos, micro-organismos que ajudam a regular a flora intestinal. E
as frutas e as verduras são ricas em prebióticos, que estimulam o crescimento
das bactérias benéficas para o intestino.
Ao mesmo tempo, é
importante ter cuidado para evitar as bactérias ruins, que podem provocar
outras doenças. É preciso lavar bem a louça suja e, se possível, limpar a
cozinha com spray antibacteriano. E não se esqueça de lavar bem as mãos depois
de usar o banheiro e antes de comer.
A última dica, reforçada
por todos os especialistas, é: não passe o dia dentro de casa e de ambientes
fechados. A melhor coisa que podemos fazer é estar em contato com o meio
ambiente.
Fonte: G1
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